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O Moralista


Umas palavras contra Kant “o moralista”: que cada um invente seu imperativo categórico!

Por Friedrich Nietzsche*

«A virtude deve ser nossa invenção, deve ser nossa legítima defesa e a nossa urgência mais pessoal: em qualquer outro sentido, não passa de um perigo. O que não é necessidade para a nossa vida causa-lhe prejuízo: uma virtude que não deriva senão do sentimento de respeito para com a ideia de “virtude”, no sentido em que Kant a entendia, é prejudicial. A “virtude”, o “dever”, o “bem em si”, o bem caracterizado pela impessoalidade e pela universalidade – coisas vãs que exprimem o declínio, a última debilitação da vida (…) É o contrário que exigem as mais profundas leis da conservação e do crescimento: que cada um invente a sua virtude, seu imperativo categórico. Um povo arruína-se quando confunde o seu dever com a ideia do dever em geral. Nada demole mais profundamente, mais intimamente que todo dever “impessoal” (…) E imaginar que ninguém pensou no imperativo categórico de Kant como perigoso para a vida!… (…) Uma ação suscitada pelo instinto de vida encontra no prazer a prova de que é um ação justa: e esse niilista de vísceras cristãs e dogmáticas considerava o prazer como uma objecção redibitória… O que é que destrói mais rapidamente que trabalhar, pensar, sentir sem necessidade interior, sem escolha profundamente pessoal, sem prazer? Como autómato do “dever”? É decididamente a receita da decadência e até da idiotice… Kant tornou-se um idiota. – E ele era contemporâneo de Goethe! E foi essa funesta teia de aranha que foi considerada como o filósofo alemão! – e continua ainda a sê-lo!… Eu recuso-me em dizer o que penso dos alemães… Kant não viu na Revolução Francesa a passagem da forma inorgânica do estado para sua forma orgânica? Não se perguntou se há um episódio que não possa absolutamente explicar-se de outra maneira que não seja por uma disposição moral da humanidade, de tal modo que a “tendência da humanidade para o bem” seja demonstrada de uma vez por todas? Reposta de Kant: “É a revolução.” O instinto do equívoco em tudo e sobre tudo, a contra-natureza como instinto, a decadência alemã como filosofia – isso é Kant!

Ponho de lado alguns cépticos, do tipo decente que a história da filosofia comporta: mas o resto ignora as exigências elementares da probidade intelectual. Todos eles comportam-se como donzelas, todos esses grandes exaltados e fenómenos – consideram sem dificuldade os “belos sentimentos” como argumentos, o “peito estufado” como um sopro de divindade, a convicção como um critério da verdade. Para terminar, Kant, em sua inocência “alemã”, procurou conferir um valor científico a essa forma de corrupção, a essa falta de consciência intelectual, sob a denominação de “razão prática”: ele inventou deliberadamente uma razão, isto é, quando a moral, quando a exigência sublime “tu deves” se fizesse ouvir. Ao pensar que, entre quase todos os povos, o filósofo não é senão o desenvolvimento do tipo sacerdotal, essa herança do sacerdote, que é a fraude contra si mesmo, deixa de ser algo surpreendente. Quando alguém tem deveres sagrados, por exemplo, de corrigir, de salvar, de resgatar homens – quando alguém traz divindade no seu peito, quando é o porta-voz dos imperativos do além, se considera sem dificuldade, com semelhante missão, fora de todas as avaliações do simples entendimento – ele próprio já está santificado por semelhante dever, ele próprio se sente do tipo de uma ordem superior!… Que importa a ciência a um padre! Ele considera-se muito elevado para isso! – E foi o padre que até agora dominou! – Foi ele que fixou a noção de “verdadeiro” e de “falso”!

(…)

Outrora via-se na consciência do homem, no “espírito”, a prova de sua origem superior, da sua divindade; para tornar o homem perfeito, era aconselhado a recolher em si seus sentidos, como a tartaruga, interromper todo comércio com o que fosse terrestre, abandonar seu invólucro mortal: nada mais restava dele, a não ser o “puro espírito”, aparecem a nossos olhos justamente como uma sintonia de relativa imperfeição do organismo, como uma experiência, um tatear, um equívoco, como um esforço que leva inutilmente a consumir muita força nervosa – negamos que qualquer coisa possa ser feita com perfeição enquanto é feita conscientemente.

O “puro espírito” é uma pura estupidez: se nos nossos cálculos esquecermos o sistema nervoso e os sentidos, o “invólucro mortal”, ficamos bem longe de todo cálculo – e isso é tudo!»

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